3 de abril de 2011

Liberdade religiosa ou o direito de ofender?

por Paulo Tavares Mariante

A discussão que vem sendo travada em torno do Projeto de Lei – PLC – nº 122 de 2006, em tramitação no Senado Federal, tem revelado um aspecto nas argumentações dos fundamentalistas religiosos – e faço esta categorização porque seria injustiça tratar todos os evangélicos como fanáticos medievais – que tem passado despercebido em muitas discussões.



Não há nenhum dispositivo no Projeto de Lei – PLC – nº 122 de 2006 que pretenda impedir a justa e legítima manifestação religiosa, até porque o direito à liberdade de culto e de expressão religiosa está plenamente garantido pela Constituição Federal, no artigo 5º, inciso VI: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Da mesma forma, a liberdade de manifestação do pensamento está garantida pelo inciso IV do mesmo artigo 5º: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
 
O que os fundamentalistas religiosos parecem não entender – ou não querer entender – é que, mesmo o princípio da liberdade de expressão, contido no inciso IV do artigo 5º recém mencionado, não é um valor absoluto, acima de tudo e de todos. E que (Esse mesmo princípio) deve ser considerado à luz de outros dispositivos constitucionais, tais como o inciso III do artigo 1º, que proclama como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil “a dignidade da pessoa humana”, bem como o inciso IV do artigo 3º da mesma Lei Maior da Nação, que afirma como um dos objetivos fundamentais da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.



O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Processo de “Habeas Corpus” HC 82424 / RS – RIO GRANDE DO SUL, proferiu uma decisão negando a ordem de “habeas corpus”, e vale à pena ler este Acórdão, do qual destacamos este trecho da Ementa:



“13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao racismo”, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.”



Portanto, não há nada de repressivo contra quaisquer religiões, mas o proselitismo religioso que venha a incitar ao ódio e à intolerância poderá, sim, ser objeto de jurisdição por parte do Estado, e será o Judiciário que dará a palavra final.



Como podemos ver, algo absolutamente democrático e muito diferente da propaganda leviana e mentirosa que vem sendo feita pelos fundamentalistas religiosos contra o PLC nº 122 de 2006. Não se pode confundir o direito de liberdade religiosa com o direito irrestrito de ofender e discriminar.



Paulo Mariante – Advogado e Coordenador Adjunto de Direitos Humanos do Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual – Campinas – SP
 
Fonte: Aqui!

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